sexta-feira, 22 de abril de 2016

"Por vezes de repente há um vazio
nem um gesto nem voz nem pensamento
terrível como a foz do grande rio
onde vai dar algures o esquecimento.

Nem branco ou negro nem sequer cinzento
um calor sem calor. Frio sem frio.
Não há nada por fora. E nada dentro.
Não é menos nem mais. É só vazio."

Manuel Alegre, "O vazio"




O "vazio" tem de ser preenchido mesmo que não se tenha nada de importante para dizer…temos desejos e necessidades diferentes, mas se não descobrirmos o que queremos de nós mesmos e o que nós defendemos, vamos viver passivamente vazios.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Floresta em sonho

Esta noite atravessava uma floresta a sonhar
Ela estava cheia de horror. Seguindo a cartilha
Os olhos vazios, que nenhum olhar compreende
Os bichos erguiam-se entre árvore e árvore
Esculpidos em pedra pelo gelo. Da linha
De abetos, ao meu encontro, através da neve
Vinha estalando, é isto um sonho ou são os meus olhos que a vêem,
Uma criança de armadura, coiraça e viseira
A lança no braço. Cuja ponta faísca
No negro dos abetos, que bebe o sol
O último vestígio do dia uma seta de ouro
Atrás da floresta do sonho, que me faz sinal de morrer
E num piscar de olho, entre choque e dor,
O meu rosto olhou-me: a criança era eu.

[Heiner Müller - Adolfo Luxúria Canibal / António Rafael – Mão Mortal]



Nós inventamos o tempo…e nunca temos tempo. Os nossos relógios nunca dormem. Quantas vezes o tempo é a nossa desculpa para desinvestir da vida e abrir a janela...para perpetuar o sonho do desencontro que mantemos com ela?