sábado, 30 de setembro de 2017

A terapia dos palavrões

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O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à
quantidade de "foda-se!" que ela diz.
Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"?
O "foda-se!" aumenta a minha auto-estima, torna-me uma
pessoa melhor.
Reorganiza as coisas. Liberta-me.
"Não queres sair comigo?! - então, foda-se!"
"Vais querer mesmo decidir essa merda sozinho(a)?! - então,
foda-se!"
O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição.
Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos
extremamente válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário
de expressões que traduzem com a maior fidelidade os nossos
mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo a fazer a sua
língua.
"Comó caralho", por exemplo. Que expressão traduz melhor a
ideia de muita quantidade que "comó caralho"?
"Comó caralho" tende para o infinito, é quase uma expressão
matemática.

A Via Láctea tem estrelas comó caralho!
O Sol está quente comó caralho!
O universo é antigo comó caralho!
Eu gosto do meu clube comó caralho!
O gajo é parvo comó caralho!
Entendes?

No género do "comó caralho", mas, no caso, expressando a
mais absoluta negação, está o famoso "nem que te fodas!".
Nem o "Não, não e não!" e tão pouco o nada eficaz e já sem
nenhuma credibilidade "Não, nem pensar!" o substituem.
O "nem que te fodas!" é irretorquível e liquida o assunto.
Liberta-te, com a consciência tranquila, para outras actividades
de maior interesse na tua vida.
Aquele filho pintelho de 17 anos atormenta-te pedindo o carro
para ir surfar na praia? Não percas tempo nem paciência.
Solta logo um definitivo:
"Huguinho, presta atenção, filho querido, nem que te fodas!".
O impertinente aprende logo a lição e vai para o Centro
Comercial encontrar-se com os amigos, sem qualquer problema,
e tu fechas os olhos e voltas a curtir o CD (...)
Há outros palavrões igualmente clássicos.
Pense na sonoridade de um "Puta que pariu!", ou o seu
correlativo "Pu-ta-que-o-pa-riu!", falado assim, cadenciadamente,
sílaba por sílaba.
Diante de uma notícia irritante, qualquer "puta-que-o-pariu!", dito
assim, põe-te outra vez nos eixos.
Os teus neurónios têm o devido tempo e clima para se
reorganizarem e encontrarem a atitude que te permitirá dar um
merecido troco ou livrares-te de maiores dores de cabeça.
E o que dizer do nosso famoso "vai levar no cu!"? E a sua
maravilhosa e reforçadora derivação "vai levar no olho do cu!"?
Já imaginaste o bem que alguém faz a si próprio e aos seus
quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de
seu interlocutor e solta:
"Chega! Vai levar no olho do cu!"?

Pronto, tu retomaste as rédeas da tua vida, a tua auto-estima.
Desabotoas a camisa e sais à rua, vento batendo na face, olhar
firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado
amor-íntimo nos lábios.
E seria tremendamente injusto não registar aqui a expressão de
maior poder de definição do : "Fodeu-se!". E a
sua derivação, mais avassaladora ainda: "Já se fodeu!".
Conheces definição mais exacta, pungente e arrasadora para
uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de
ameaçadora complicação?
Expressão, inclusivé, que uma vez proferida insere o seu autor
num providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo
assim como quando estás sem documentos do carro, sem
carta de condução e ouves uma sirene de polícia atrás de ti a
mandar-te parar. O que dizes? "Já me fodi!"
Ou quando te apercebes que és de um país em que quase nada
funciona, o desemprego não baixa, os impostos são altos, a
saúde, a educação e … a justiça são de baixa qualidade, os
empresários são de pouca qualidade e procuram o lucro fácil e
em pouco tempo, as reformas têm que baixar, o tempo para a
desejada reforma tem que aumentar … tu pensas “Já me fodi!”

Mas não desesperes:
Este País … ainda vai ser “um país do caralho!”
Oiçam o que vos digo,)

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Disseste

Tu disseste "quero saborear o infinito"
Eu disse "a frescura das maçãs matinais revela-nos segredos insondáveis"
Tu disseste "sentir a aragem que balança os dependurados"
Eu disse "é o medo o que nos vem acariciar"
Tu disseste "eu também já tive medo. muito medo. recusava-me a abrir a janela, a transpôr o limiar da porta"
Eu disse "acabamos a gostar do medo, do arrepio que nos suspende a fala"
Tu disseste "um dia fiquei sem nada. um mundo inteiro por descobrir"
Eu disse "..."

Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"

Tu disseste "agora procuro o desígnio da vida. às vezes penso encontrá-lo num bater de asas, num murmúrio trazido pelo vento, no piscar de um néon. escrevo páginas e páginas a tentar formalizá-lo. depois queimo tudo e prossigo a minha busca"
Eu disse "eu não faço nada. fico horas a olhar para uma mancha na parede"
Tu disseste "e nunca sentiste a mancha a alastrar, as suas formas num palpitar quase imperceptível?"
Eu disse "não. a mancha continua no mesmo sítio, eu continuo a olhar para ela e não se passa nada"
Tu disseste "e no entanto a mancha alastra e toma conta de ti. liberta-te do corpo. tu é que não vês"
Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"

Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"  

"Tu disseste" - Mão Morta
Resultado de imagem para pintura de dois rostos tapados beijamFalar com quem conhecemos acaba sempre por ser uma forma de falarmos de nós próprios. Falar do que quer que seja é sempre uma forma de falarmos de nós próprios...