Perdemos muito tempo a não
vivermos no mundo a que pertencemos. Perdemos muito tempo sem olhar para tudo o
que existe à nossa volta. Para tal temos de ter o prazer de viver e não apenas o
de só existir.
Um blogue que não e um blogue !Tambem não sei o que é , mas que dá para marcar jantares dá ! Apesar de às vezes ser dificil...Mas no fim consegue-se sempre
domingo, 17 de julho de 2016
Prazer de viver
sábado, 2 de julho de 2016
Faits divers
UM DIA DE PRAIA, NUMA FAMÍLIA
DE BETOS
Para começar, o beto não é um veranista
que vá a qualquer praia. Vai apenas a praias seleccionadas, quais artigos
gourmet de uma mercearia gourmet de um bairro gourmet.
Mas como seleccionar estas praias?
Simples. Há muitas que já vêm de tradição. As famílias com mais de 17 apelidos,
todos eles separados por hífenes, há séculos que para lá vão.
Depois é também preciso garantir que a
plebe não vai para estas praias, porque já se sabe que pobres é pior que pombos
cheios de doenças. E por isso mesmo, têm de ser praias cujo acesso não possa
ser feito por transportes públicos e cujo preço da garrafa de água no bar não
seja inferior a 10€. E assim sendo, salva-se a Comporta, São Martinho do Porto
e mais meia dúzia delas no Algarve e no Porto.
O dia começa cedo. A mãe Tété vai acordar
o Tomás Maria (Tommy), o Afonso Salvador (Fonfas), o Lourenço Sebastião
(Sebas), a Constança Matilde (Coca) e a Carlota Benedita (Bé). As ninhadas de
betos são sempre muito grandes…aliás, nestes meios até fica bem. Ficam óptimos
nas fotos e dão imenso jeito para a auto promoção da família nas revistas
sociais.
Preparam pequenos lanches e guardam-nos
nuns tupperwares lindíssimos, cheios de flores e com alarme anti-pobre
incorporado para afastar sem-abrigo, que a tia Kiki faz agora no novo negócio
de beta empreendedora. Atenção para não confundir com as marmitas com frango
assado e pastéis de bacalhau com feijão-frade que se podem avistar na Costa da
Caparica. Como as idades variam, os lanches vão desde pequenos rectângulos de
pão integral sem glúten que amortecem dois a dois suaves fatias de fiambre de
peru que cumprimenta só com um glu, com uma folha de alface-roxa e tomate querido,
até umas deliciosas quiches de salmão pedante fumado em fumo de chá preto com
cogumelos das Maurícias salteados em azeite e presunção em abundância, passando
claro por suculentas tarteletes de Cerelac gourmet com frutos silvestres da
Floresta Negra e pitadas de futuros cargos nas Jotas.
Lá chegam à praia. Quer dizer, chegam à
entrada da praia e depois demoram mais meia
hora até se instalarem tal é a quantidade de amigos e primos que têm de
cumprimentar – Olá, querida! ‘Ta boa? Que fato de banho giríssimo! Adoro os
folhos! Foi a tia Ká que fez? – Foi! Não está o máximo? Ela abriu agora uma
loja de biquínis com o dinheiro do marido, “supê” empreendedora! – E por aí
fora.
Finalmente, encontram uma clareira na
areia entre Bettencourt-Mello-dos-Santos-e-Silva e os
Couttinho-Roquette-Relvas-Cunha-Vaz para instalar a sua sombrinha. Isso mesmo,
adivinharam. E óbvio que a sombrinha foi feita pela tia Bábá que também tem uma
marca e já não há paciência para falar disto e vocês já perceberam onde é que
quero chegar.
A mãe aproveita a ocasião para carregar
no protector solar em todas as criancinhas, e sempre com o factor máximo. Até
era preferível nem terem tirado as
T-shirt, a bem da verdade. É que cancro da pele é chato, mas ficarem da cor das
crianças romenas dos semáforos da Praça de Espanha é bem pior, um vexame
completo.
Mergulhos mais tarde, as crianças vão
brincar para a areia molhada. Enquanto uma delas vai chamar amiguinhos e lhes
ordena que construam um castelo, outra trata dos processos burocráticos do
registo predial, uma delas fica como administradora financeira do
empreendimento, ainda outra implementa uma criação de cavalos e escola
equestre, e a última, que quer ser actriz, faz de princesa. Claro que os seus
trabalhos como engenheiro, advogado, gestor e agrónoma estão assegurados à
nascença mas, ainda assim, é preciso começar já a praticar. A última é que virá
a entrar no Chapitô e acabará deserdada.
Enquanto os mini-betos brincam, a
betalhada já consagrada conversa (os jovens adultos desta sub-espécie não são
aqui mencionados porque passam férias juntos, sem os pais, e nesta altura estão
a ressacar da sua noite belíssima).
São bons momentos de conversa. Riem-se
muito dos lesados do BES, choram de saudades e nostalgia dos tempos de Salazar
quando tinham ainda mais terrenos e ficam perplexos quando ouvem falar das
greves do Metro, porque nem sabiam que havia Metro.
O dia vai-se passando e o fim da tarde
pede sangria de champanhe e frutos silvestres e canapés de lagosta no lounge
chiq nice sunset amazing bar da praia. Os mini-betos são chamados para volta da
mesa, não porque as mães tenham receio que se afoguem mas porque a conversa
chegou à parte de exibicionismo das respectivas crias. E sempre com aquele ar
de quem não dá muita importância, mas sem conseguir disfarçar bem o orgulho
parental, começa o rol de “Ai, o meu Fonfas com 3 anos já fala mandarim, toca
piano e dá aulas de catequese”, “Ai, a minha Coca de 16 anos já fuma, já sabe
sacar gajos no Main com apelidos decentes e já sabe que antes do casamento só
vale anal porque não é pecado.” Se calhar esta última parte eles não admitem em
voz alta, mas sabem-no.
Enfim, o crepúsculo chega e a betalhada
tem de recolher aos seus castelos. Há banhos a tomar para tirar a areia, o sal
e aquela camadinha de hipocrisia depois de um dia inteiro a fingir que se gosta
de toda a gente.
UM DIA DE PRAIA, NUMA FAMÍLIA
DE MITRAS
O mitra é uma espécie completamente
diferente do beto. O mitra não vai a qualquer praia, essencialmente porque não
pode e não por falta de vontade, e depois acaba por mascarar a inveja que tem
dos betos com um falso orgulho nas praias que frequenta.
Assim sendo, a selecção de praias fica
limitada àquelas com acesso por transportes públicos ou por carro próprio mas
sem estradas de terra batida para não estragar os pára-choques dos carros
rebaixados. Portanto, ficam a sobrar Carcavelos, aquelas do início da Costa da
Caparica, aquela do jardim do Torel no meio de Lisboa e algumas caixas de areia
dos jardins infantis.
O dia começa cedo. A mãe Sheila vai
acordar o Rúben Tiago, o Wilson Gerson, o Fábio Mikael, a Soraya Vanessa e a
Rute Miriam. As ninhadas de mitras são sempre muito grandes porque como
orgulhosos desinformados nem sabem o que é um preservativo.
Preparam pequenos lanches e embrulham à
balda em guardanapos meio sujos que sobraram do jantar do dia anterior na casa
dos vizinhos. Aproveitam que lá foram e roubaram uma geleira que a deles é
pequena e dá mais jeito para levar a erva e conservá-la fresca, nunca se sabe
quando é que vão aparecer clientes sedentos por um charrinho na praia.
Apesar de as idades dos mitrinhas
variarem, os lanches são iguais para todos e vai tudo corrido à clássica
“sande” mista com queijo e fiambre, cujas embalagens só não foram roubadas por
eles porque a mãe dos putos os apanhou a roubar mal. Portanto, começou aos
berros para toda a gente no Minipreço achar que ela estava a educar os miúdos e
depois acabou por ter de ser ela a roubar os pacotes e mais uns iogurtes com aroma
a labrego. Se queres as coisas bem feitas, fá-las tu. Já dizia o Al Capone, ou
o Escobar, ou o Ricardo Salgado. Já não sei bem quem disse isso mas foi um
bandido do género.
Lá chegaram à praia. Quer dizer, chegam à
entrada da praia e demoram mais meia hora até se instalarem. Não que
cumprimentem muita gente, mas os cumprimentos demoram muito tempo porque são
sempre um “combo” de gestos que inclui “high 5” , choque de punhos e mais uma série de
sinaléticas manuais de fazer inveja a qualquer surdo. Portanto, depois de
falarem a colegas do arrastão de 2005, a grandes companheiros dos “meets” de
2014 no Vasco da Gama e ainda a alguns irmãos de armas da claque do Olivais e
Moscavide, lá acham um lugar para se sentar. De mencionar que também demoraram
mais a escolher o lugar porque tem sempre de ser de difícil acesso para os
polícias de bicicleta.
A criançada, já só de sunga e crucifixo de
plástico, vai a correr para a água. – FÁBIO MIKAAAEEEEELLLLL! Anda cá, car*lho!
Ca gente esqueceu-se-nos de te enfiar nos braços estas medras e tu ainda vais
de focinho à água e ficas lá a afogar-te. Olha, também digo-te já Fábio Mikael,
era um descanso! Que isto de alimentar tantos bezerros, f*da-se! Vai lá, vai…
A mãe aproveita esta ocasião para voltar a
não pôr protector no Fábio Mikael. “Pode ser que o puto apanhe um
“cancarozinho” na pele e a gente consiga mais um subsídio qualquer do Estado” –
pensa ela.
Arrastões mais tarde, as crianças sossegam
e ficam a brincar na areia molhada. Não sabem o que é um castelo, por isso fazem
antes um cartel de areia. Dividem entre elas as tarefas de líder do cartel,
controlador de logística no tráfico de conchas e pedrinhas, chefe de segurança
(bater noutros meninos), responsável de recrutamento de mitrinhas para o gangue
e a última, que não se revia nesta família, era a polícia. Anos mais tarde foi
para a PJ e não verteu uma única lágrima quando prendeu o pai, os irmãos, a mãe
e até a avó, que aquela velha era danada.
Enquanto os mitrinhas brincam, a
mitralhada já cadastrada conversa (os jovens adultos desta sub-espécie não são
aqui mencionados porque ficaram à janela do seu «cubico» a ver quem pára lá no
bairro, ou foram dar giros nos seus “botes” para roubarem estações de serviço,
ou quaisquer outras actividades tão divertidas quanto ilegais).
São bons momentos de conversa. Razoáveis,
admitamos, porque eles não conseguem muito bem articular frases num discurso
coerente, e às vezes nem sequer palavras suficientes conseguem articular para
fazer uma frase. Mas lá falaram dos corruptos dos banqueiros e dos políticos,
que conseguem roubar ainda mais que eles, falaram do seu Benfas e do filha de
uma “ganda” p*ta que lhes roubou um penalty e cuspiram no aumento do passe do
Metro e nesses gajos que lá fingem que trabalham e só querem é estar de greve.
O dia vai-se passando e o fim da tarde
pede sangria de pacote do LIDL e umas pevides, para se fazer uma competição de
quem consegue cuspir a casca para mais longe enquanto se apoia só na perna
direita e aperta os testículos com a mão esquerda. Bom jogo.
Os mitrinhas são chamados para se juntarem
ali à volta do porta-bagagens aberto onde se sentam os mitras, no seu “bote” no
parque de estacionamento da praia. Os vários mitras amigos ali reunidos exibem
as suas crias com um orgulho visceral. “Pá, este cabrãozinho aqui já bate nos
colegas todos da turma. Mas também era o que faltava não bater, tem 10 anos e
ainda está na primeira classe”, “E a minha mai nova? F*da-se c'orgulho! 14
aninhos e já está grávida. Sai mesmo à mãe!” e tantas outras semelhantes proezas
embandeiradas em arco (agora é que lixei os mitras que estavam a ler esta
crónica porque eles não sabem o que quer dizer esta expressão).
Enfim, o crepúsculo (outra) chega e a
mitralhada tem de recolher aos seus bairros. Não há banhos para tomar, porque
aquela camadinha de areia, sal e surro, se for bem grossa, os protege de
facadas dos gangues rivais. Sempre são menos hipócritas no que diz respeito a
fingir que gostam uns dos outros.
Subscrever:
Mensagens (Atom)