Durante um mês e meio, o guarda
prisional Joaquim, duas a três vezes por semana, saltava um muro no interior da
cadeia feminina e dirigia-se à vacaria. Aí, as reclusas Rosa e Rosalina, que
habitavam um quarto nesta "ala" da prisão feminina, esperavam-no para
o habitual animado serão, recheado com vinho e televisão. Joaquim, segundo
confessou o próprio, gostava da Rosa, mas, de acordo com o auto de interrogatório,
"nunca manteve trato sexual com a mesma". Sim, um guarda prisional
diz "trato sexual". "Apenas conversavam, os três ou os dois,
caso a reclusa Rosalina adormecesse", continuou. Porém, o depoimento desta
última tramou Joaquim.
É que segundo Rosalina "a situação
vivida no quarto da vacaria era particularmente desagradável". A reclusa
não se referia, no seu depoimento, ao cheiro, mas sim ao facto de o guarda
Joaquim ir "a essas instalações para manter relacionamento de cópula
completa com a Rosa". Cópula completa, disse. Das duas uma: ou esta prisão
é usada exclusivamente para licenciadas em Direito ou as reclusas, em vez de a
"Nova Gente" ou a "Caras", preferem ler a "Colectânea
de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça".
Sucede que, ainda de acordo com o
depoimento de Rosalina, a tal cópula completa decorria no "exíguo
quarto" que ambas partilhavam, sendo que as camas de ambas estão separadas
por um escasso metro. Por isso, "para não ser incomodada e oferecer alguma
privacidade" ao casalinho, Rosalina, naquelas duas, três vezes por semana,
"tinha que permanecer deitada de costas" para o casal e "virada
para a parede". Ao mesmo tempo, "para não ouvir os ruídos da
intimidade" (ficamos a saber que a cópula completa provoca ruídos),
Rosalina recorria a uns "phones", os quais "tinha que manter nas
orelhas". Desta vez, falou claro. Disse "orelhas" e não
"canal auditivo externo". Perante os factos, em 1998 o ministério da
Justiça decidiu, após processo disciplinar, reformar compulsivamente Joaquim.
Este ainda recorreu para o Tribunal Central Administrativo do Sul, que manteve
a pena, num acórdão de 2001. Os juízes foram claros: Joaquim demonstrou
"incompreensão" do que é ser "funcionário". A este,
explicaram os magistrados judiciais, exige-se que "no local de trabalho"
apenas persiga a "satisfação do interesse público". Ou seja, está
vedada a cópula completa com interesses privados.
A triste vida sexual dos guardas
prisionais foi ainda abordada noutro processo, que chegou ao Supremo Tribunal
Administrativo em Outubro de 2006. Neste caso, os juízes tiveram que analisar
outra aposentação compulsiva de um guarda prisional de 2ª classe.
Encontrando-se escalado certo dia para fazer "vigilância" numa das
torres da cadeia feminina, o rapaz, porém, foi apanhado noutros preparos.
Tudo começou quando na noite de 3
de Março de 2002 a
reclusa "Maria" (chamemos-lhe assim) "deslocou-se ao
sanitário" da sua cela "a fim de satisfazer as suas
necessidades", lê-se. Resolveu então fumar um cigarro, pelo que correu a
cortina para abrir a janela. Neste movimento, avistou do lado de fora "um
guarda com as calças despidas até aos joelhos a masturbar-se em frente à sua
janela, tendo a metralhadora colocada no chão a seus pés". Ao aperceber-se
de "Maria" do outro lado da janela, o guarda "fez-lhe sinal com
os dedos junto à boca para que se mantivesse em silêncio". O acórdão do
Supremo refere que "Maria" ficou "indignada com o comportamento
do guarda" e alertou as outras guardas, não esclarecendo se a indignação
resultou da visão da masturbação ou da metralhadora aos pés. Pormenores...
Certo é que as guardas
dirigiram-se ao exterior da cela de "Maria" e lá estava o colega
"com as calças pelos joelhos, a masturbar-se, encontrando-se a
metralhadora junto aos pés". Pelo menos, a arma não desapareceu. As
guardas "chamaram o nome do colega", contudo este ignorou-as
"continuando nos seus propósitos". Tudo o que tem um princípio, tem
um fim, já se dizia na trilogia Matrix, nem que haja uma metralhadora ao pés,
acrescenta-se.
Respondendo à acusação, o arguido
argumentou que, ao contrário que lhe foi imputado, não estava a masturbar-se,
mas sim "teve necessidade de urinar", pedindo, em sua defesa, uma
"inspecção ao local para prova destes factos e circunstâncias".
Argumentou que a zona é de baixa visibilidade, logo nenhuma das testemunhas
poderia afirmar com certeza o que afirmou. Poderia, mas não fez, ter requerido
uma inspecção lofoscópica ao local. E aí, sim, todas as dúvidas seriam
esclarecidas após uma análise científica ao que restou daquela noite de 3 de Março
de 2002. Os juízes do Supremo mantiveram a reforma compulsiva. Mas no meio
disto tudo, ninguém quis saber da principal vítima: a metralhadora, talvez uma velhinha
G3, um modelo que, brevemente, será substituído. Mas aquela levará para um
qualquer ferro-velho ou museu o trauma de 3 de Março de 2002.